sábado, 25 de outubro de 2008

O LEGISLADOR COMPULSIVO

O LEGISLADOR COMPULSIVO

“Dona Josefina sentiu o rompimento da bolsa das águas, telefonou ao Dr. Malato, seu consorte, e duas horas depois, deu à luz. Parto descomplexado foi aquele se se tiver em conta que o feto, desde o quarto mês, revelara uma insólita irreverência, trambolheando dia e noite no ventre materno. Parto Natural, “faça força Dona Josefina! Faça força! Respire fundo!”, enfim, o costumeiro, e, impante, saíra o jovem Marcelino, nadando em estilo mariposa e rindo, perante o espanto da reduzida plateia.

O médico que se preparava para a clássica nalgada e choro subsequente, poisou a criatura no colo de Dona Josefina, auto-flagelou-se num sumário exame de consciência, abjurou de Hipócrates e emigrou para o Iémen do Sul, passando a dedicar-se à meditação e à pastorícia.

O Dr. Malato, porém, viu, nas gargalhadas do neófito, um halo divino.
- Vai ser alguém na vida. Um revolucionário! No bom sentido, claro... – anunciou, nessa noite, perante uma roda de subordinados lá da repartição. Premonizava, certeiramente, o Dr. Malato.

Aos 4 anos de idade, o jovem, brincando aos médicos com a vizinha do rés-do-chão, insistia ele próprio em dar à luz e em amamentar as bonecas.

Aos 6 anos, semeou uma ninhada de viçosos pintainhos, regando-os e adubando-os, e durante meses esperou que, daquele palmo de terra, florescessem frondosas galinhas.

Aos 8 anos, Marcelino questionara Dona Miquelina, a mestra, tentando convencê-la de que o abecedário pelo que se impunha a aprendizagem das letras, de trás para a frente, “z”, “x”, “v” até ao “a” definitivo, permitiria, está bom de ver, uma revitalização da actividade editorial, com a necessidade de publicação de novos manuais escolares, mais emprego nas livrarias, nos transportes, efeito cascata sobre a economia nacional, etc..

Aos 10 anos, no adro da escola, pugnou (sem êxito, diga-se) junto dos colegas por uma alteração radical nas regras de futebol: ganharia a equipa que mais vezes conseguisse atirar a bola para lá dos muros da escola.

Os guarda-redes seriam dispensados por inutilidade superveniente. Um contrincante, guardião titular, menos atreito a inovações abusivas, esmurrou-o no nariz. Disto Dona Josefina e o Dr. Malato tinham notícia e exultavam, - Vai em frente, Marcelino!

Aos 15 anos, o infante apaixonou-se por uma professora de francês, de longos “erres” e longas pernas (“Marrrrcelinô, viens ici, mon cherrrri!”), mas cedo a paixão se desvaneceu quando não logrou convencê-la de que Baudelaire nascera em Salvaterra de Magos, e emigrara para França, no final da década de 60 e de que o Maio de 68 acontecera em 69.

Em assomos de incontida raiva, Marcelino trancava-se no seu quarto, mas ficava sempre do lado de fora, o que, dizia ele, lhe permitia uma maior liberdade de movimentos.

Dois anos depois, voltou a enamorar-se. Os seus oaristos, longos e profusamente adjectivados, enlouqueciam a eleita. Num dia enviava-lhe uma carta e, no dia seguinte, uma outra, revogando o conteúdo da precedente. Porém, logo a seguir, repristinava, em nova missiva, as juras da primitiva. Ao fim de meio ano de frenética interpretação epistolar, a jovem mudou de sexo e de endereço, perante a estupefacção de Marcelino. Recomposto, aos 19 anos prometeu casamento a uma colega de faculdade, mas o contrato esteve prestes a naufragar, quando, numa completa subversão das regras instituídas, exigiu que fosse o pai da noiva a oferecer-lhe a mão da filha.

O casório, por exigência de Marcelino, foi pouco convencional: a consumação deu-se por procuração bastante, a boda teve lugar na véspera e a cerimónia foi oficiada pelo vereador das Obras da Câmara Municipal, enquanto o padre, adequadamente paramentado, despachava, favoravelmente, o licenciamento de um prédio de 15 andares, em área protegida. Obviamente, que Marcelino envergava um vestido branco, de mousseline e longa cauda, e a noiva, a prendada Dona Estefânia, luzia um fato cinzento e um farto bigode, circunstância que originou aplausos espontâneos na plateia. Aos vinte e três anos, Marcelino conseguiu um diploma de licenciatura em Direito pela nóvel faculdade de Cabeceiras de Baixo, cum laude. O Dr. Malato, pessoa de influências, calcorreou a sua lista de conhecimentos não sem antes ter confabulado com Dona Josefina.

- O rapaz não é tolo. Mas noto-lhe uma propensão, quiçá exagerada, para o empolamento e para a subversão.
Que dizes Josefina?

Dona Josefina, que, sobre todos os temas, tinha opinião certeira, exprimiu-se.

- Pois será, Malato...

- Lembras-te, Josefina, de quando foi votar pela primeira vez? Recordas-te que o Presidente da mesa teve de chamar a GNR porque ele queria meter a urna, à força, dentro do boletim de voto? E lembras-te do dia em que tentou meter o microondas dentro de uma sande de chouriço?

- Se me lembro... O trabalho que eu tive para o convencer de que isso só dá com sandes de queijo...

- Pois é – prosseguiu o Dr. Malato. Temos um problema entre mãos. Na repartição não consigo encaixá-lo depois de ele ter andado por aí a distribuir panfletos a defender que o IRS deveria ser pago pelo Governo aos cidadãos, de uma vez só, logo à nascença e com correcção monetária.

- E nos Estrangeiros? Não conheces lá aquele Saraiva, que tem a mulher bexigosa?

- Não dá. O Saraiva demitiu-se. Agora dá aulas nas privadas. Sociogeopolítica Infra-Estruturas no Espaço Europeu. É uma coisa que está a dar. Quatrocentos alunos.

- E a Advocacia? Gostava tanto de ter um filho que defendesse os pobres e os ricos, uns contra os outros...

- Também não dá, mulher. A Advocacia é um antro de perdição. Entre a Advocacia e o inferno a única diferença é que a Advocacia pratica-se ainda em vida. E nem vejo como ele pudesse ser Advogado. Iria apresentar contestações antes da petição, iria apresentar recursos na Loja das Meias...

- Oh, Malato! Que sina a nossa! Suspirou Dona Josefina, olhando, de soslaio, na TV, o Big Brother.

O Dr. Malato sorveu duas puxadas no cachimbo e viu as volutas subirem, molengas, até ao tecto. De repente, deu um salto da poltrona e bateu na testa.

- A JUSTIÇA! Conheço o Meneses da Justiça! VAI ABRIR-SE UMA VAGA PARA LEGISLADOR!!!”

Publicado no “Boletim da Ordem dos Advogados”
(desconheço o autor e o nº da edição)


No seguimento do meu post anterior sobre a justiça… quem sabe não seria um legislador destes que a justiça portuguesa precisava. Afinal ele não faria nem mais nem menos do que os actuais “fazedores” das leis deste país. Basta ver a última “reforma” ao Código Penal… Sem comentários! Melhor. Reformem os legisladores actuais… A justiça portuguesa só tinha a ganhar…

Ah!... e ao menos com um “legislador compulsivo” sempre estava garantido que iríamos às lágrimas… mas não de tristeza… de rir mesmo… porque se assim fosse podíamos “achar” que, de verdade, estávamos a viver numa “república das bananas” ou “na casa da mãe Joana”… e poderíamos todos, alegremente, tal como o “Dr. Malato”, dedicar-nos “à meditação e à pastorícia”!


P.S.: A alguns (ou todos...) dos nossos legisladores, gostava de poder ter o "poder" de lhes mandar um bilhetinho igual a este aqui em baixo... ai gostava, gostava!


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